quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Post-scriptum II

14 de Junho de 2013.
13 horas e 2 minutos. Voltando do almoço, abro a loja. Fico pensando nas dívidas, em como aumentar o faturamento, reduzir os custos, não encontro nenhuma solução. É difícil, nós conseguimos solucionar alguns problemas com o dinheiro, mas criamos milhares de outros e um sistema falho. Eis que na minha linha de pensamento é cortada quando chega um senhor no balcão. Prontamente respondo.
- Pois não, em que posso ajudá-lo?
- Não querendo atrapalhar, mas o Dono da Loja está?
Pergunta para mim um senhor com cabelos grisalhos, uma cruz no peito, dois dentes na boca e com olhos profundos, imersos em uma mágoa.
- Não está - Respondo.
- Em que horário posso encontrá-lo? - Diz com a voz baixa.
- Só depois das 5 - Respondo pensando na intenção daquele senhor.
Com um ar de decepção, o senhor parece realizar seu movimento de misericórdia, não restando-lhe opções, retira debaixo de seu braço uma pasta.
Coloca em cima do balcão.
- Você é alguma coisa do dono? - Pergunta
- Sim, sou filho - Novamente, reparo em seus olhos profundos e angustiados.
- Meu filho sofreu um acidente de moto e perdeu a perna...
Fico aguardando uma conclusão
- Fui a Sorocaba onde fica a fábrica de próteses e me pediram 75 mil.
Lembro-me de uma reportagem da TVTem em que mostrava essa fábrica e citava os valores, até o momento o que o senhor dizia fazia sentido.
Na velocidade de um idoso qualquer ele abre a pasta, dentro dela cartões de visitas grampeados nas folhas com valores monetários abaixo.
10, 20, 30, 40 e 50 reais, são os valores mais comum.
- Aqui é o pessoal dessa região - Aponta para os cartões - Você deve conhecer algum deles.
- Aham, conheço - Digo e realmente conheço.
Virando a página, cartões de visitas de Jundiaí, Itatiba, Cabreúva, Bragança, etc.
- Itatiba é grande, Bragança também, deixei de ir nessas cidades porque gastava com as passagens de ônibus.
Apenas balanço a cabeça em um gesto de confirmação, fico imaginando todos esses comércios, de quais alguns, realmente conheço e como os comerciantes são fodas.
Novamente ele interrompe meu pensamento.
- Você conhece a galeria do rock? - Pergunta
- Aham - Dou uma confirmação meio vaga.
- Aquele lugar onde os caras fazem tatuagens no braço. - Reitera a pergunta.
- Não, sim, conheço!
- Então...
Ele vira a página com certa dificuldade e eis que me mostra quatro páginas com cartões da galeria do rock.
Não fico surpreso, apenas esboço um sorriso torto e cabisbaixo, olhando ainda para pasta, digo em seguida:
- Então, estamos também passando por uma dificuldade no momento...
- Não tem problema! - Diz o senhor antes de eu terminar
- Mas, sei do que um pai é capaz de fazer por um filho. Meu pai tanto lutou para poder me entregar essa loja e me dar mais que o necessário. Admiro sua luta e sua coragem de lutar pelo seu filho.
Ambos emocionados, levanto a cabeça e olho para o senhor, seus olhos continuam profundos e angustiado, só que dessa vez vejo uma alegria no olhar. Segurando as lagrimas, ele diz sibilante.
- O que um pai pode fazer, além de lutar pelo seu filho?
Viro-me em direção ao caixa, tiro 20 reais e antes de dar ao senhor ele me diz:
- Deus te abençoe! Muito obrigado. - Seu sorriso de 2 dentes é sincero.
- Quando meu filho tiver melhor eu vou levar ele para agradecer a todos que o ajudaram.
Ao dar os 20 reais, ele segura a minha mão com ambas as mãos e me pergunta.
- Você é católico?
- Eu não, mas meu pai é.
Ele sorri novamente. Reitero.
- Não tenho religião. – Sorrio - Mas acredito na humanidade.

(Por Gabriel William Galdino)